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Três "piscadelas"

Dulceia Veiga é colunista do Portal Grande Florianópolis

Por Grande Florianópolis

20/06/2022 às 11:40:05 - Atualizado há
Ilustração

Olá, a partir de hoje, quinzenalmente, estarei aqui no Portal Grande Florianópolis dividindo com vocês algumas crônicas autorias. Espero que você, caro leitor, saboreie cada palavra e deguste um pouco do que me transborda na mente e que transcrevo em palavras, ou melhor doces palavras.

Três "piscadelas"

O existir, o que é para você esta palavra? Li a frase no folder pendurado na caixa de correio. Ela estava acompanhada de uma imagem clara, lembrava um céu, ou um anjo, era iluminado. Devia representar algo divino, para quem crê, não é meu caso. O fato, simplório e banal, colocou-me com o sentimento de responsabilidade de contestar, de formar uma opinião.

Subi de elevador até o terceiro andar, apertei o botão e desci, eu precisava de uma resposta... Subir o restante de escadas, dar-me-ia o tempo necessário. No corredor, dirigi-me ao acesso às escadas, pois não podia deixar aquela pergunta sem uma resposta. Senti-me um idiota. No décimo oitavo andar, a exaustão me alertou - já não era mais um garoto. Foi então que encontrei a resposta. Sentei-me ali mesmo e no celular comecei a escrever.

Definição de existir: três piscadelas.

Acabei de criar uma indagação em você, estou certo? Tentarei explicar, partindo da seguinte pergunta:

- Qual a sua idade? Assim saberá em qual ou quantas piscadelas está. Diante da pesquisa do Censo, a expectativa de vida é de 72,3 anos de vida. Mesmo assim, observará que terá apenas três piscadas em todas estas décadas. Não deve estar entendendo nada, mas prometo que no decorrer da leitura parará e conseguirá observar qual o seu estágio.

Sabe que cheguei a este ponto depois de recordar de uma visita que fiz certa vez a um asilo. Estive lá para promover um de meus livros, exigência da editora. Achava desnecessária tal ação, eu já era conhecido, mas contrato é contrato e tive que cumprir. Calma, não pense que sou insensível. Meu livro tratava da brevidade da vida, de praticar o CARPE DIEM, e o lar de idosos era o lugar que exemplificava a mensagem. Este era meu pensamento antes de vivenciar aquele encontro.

O choque de realidade, do abandono, do apelo por um abraço, um carinho, um sorriso ou o simples oi causou-me um impacto. Chorei, enquanto eles demonstravam uma felicidade por ter a presença de um escritor famoso. De alguém que conversasse, que os notassem no mundo. O tempo corria contra eles, contra mim, apesar de apenas hoje, nestas escadarias, entender o porquê.

O tempo passa como em um piscar de olhos. Quando crianças só se tem um objetivo, crescer e ser independente. Na adolescência, tudo é uma grande porcaria, uma simples rejeição de alguém de quem se gosta, faz o mundo desabar, a ponto de se pensar que a felicidade foi arrancada de nossos braços e, por um segundo, sentimos saudades da infância, de quando a nossa única preocupação era guardar os brinquedos no lugar. Posso dizer uma coisa, o ser humano é o mais otimista das espécies, porém, posso afirmar que também é o que não sabe viver o presente. Em todo o sofrimento emocional juvenil ou vive no passado, ou anseia um futuro, uma vida de adulto. Vida com uma boa formação, um bom emprego, uma boa casa e, claro, um ótimo carro, símbolo de status, privilégio da vida adulta. Pois bem, o jovem deixa o presente passar com uma piscadela, muitas das vezes sem aproveitar o frescor, a curiosidade que só à inconsequência e o destemor juvenil permitem.

E a vida adulta finalmente chega, mas já não é mais o caminho de diamantes que parecia há alguns anos. Sabe por quê? Porque não é mais o futuro, é o presente, então perdeu a graça, o sentido. Ademais, que somada a ela vêm as responsabilidades. É legal ter tudo o que um adulto tem, mas o que o inocente jovem não sabe é que precisa lutar para que isso aconteça. Dia após dia. Nada, nadica de nada cai do céu. Ninguém bate à sua porta e diz:

- Bem-vindo à vida adulta, aqui está tudo o que você sonhou e esperou todos estes anos!

Meu caro amigo, quando se der conta disso, eis que vem a saudade, não mais da infância, mas da juventude, do destemor, dos atos de inconsequência. Ao observar a banalidade do sofrimento pelo amor adolescente chega até a rir e se achar ridículo. Fato, vai viver novamente no passado. E lá se vai o presente. Dá mais uma piscadela e tudo começa a ficar mais difícil. Visitar médicos vira uma rotina. Popularmente, diz-se que chegou na idade do "ite", artrite, celulite, bronquite, bursite e sabe-se lá quantos mais "ites".

O mais estranho é que novamente se dará conta da riqueza que deixou esvair por entre os dedos. Não a riqueza material, não é do carro, da casa ou de contas bancárias. É da vida adulta, da perfeição do corpo, da saúde que teve. Vou mais além, tem saudade do saber o que tinha em sua mente. Hoje, logo hoje, já não lembra mais nem direito do próprio nome. Quando lembra, esquece-se de quem foi. E se, por um lapso de sorte, sabe seu nome e quem foi, o único sentimento que toma o seu corpo e mente é o da saudade. A saudade de não viver o momento, o presente nunca valorizado. De seu foco ter sido o que na verdade não tinha importância nenhuma, mas que tristemente apenas se dá conta em seu leito de morte. Onde chora por não ter amado mais, por não ter perdoado porque seu orgulho não deixou. Acreditava ser invencível. Sinto muito, caro leitor, a morte chegou e o ser humano deixou de viver, mesmo antes de estar morto. Pode ser que na infância, na inocência da criança, tenha tido o único momento que vivenciou o presente.

Uma última piscada e tudo virou pó, caiu no esquecimento.

Observe-se, você ainda está vivo?

Apaguei a tela do celular, entrei no elevador e fui para casa com a certeza de que eu lutaria minuto a minuto para não ser apenas mais um ser com três piscadelas.


Dulceia Veiga é colunista do Portal Grande Florianópolis
Escritora, Professora Graduada em Letras e pós graduada em língua Espanhola






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